terça-feira, 18 de agosto de 2009

Círculo do Livro

TORGNY LINDGREN

Betsabé
"Bathsheba"


(1984)




Safã era criado do rei Davi. Embora fosse de baixa estatura, tinha ombros largos e era um veloz corredor; seus cabelos eram compridos, e ele tocava a lira para o rei.
Estavam juntos no terraço do palácio. No exato instante em que o rei reparou em Betsabé, também Safã a viu. Seus olhos estavam bem treinados na arte de se movimentarem do mesmo modo inconstante, embora calculista, dos olhinhos penetrantes do rei.
Ela saíra para o jardim que ficava atrás das casas dos quereteus e dos peltastas. Acabava de banhar-se e agora enxugava-se com uma grande toalha de linho, o cabelo flutuando, solto. Até Safã, que ainda conhecia a natureza da luxúria, logo percebeu que era incrivilmente bela. O rei inclinou a cabeça na direção dela, pesada de desejo, como se procurasse sentir o cheiro e captar os sons suaves dos membros da mulher, ao se moverem. Ele respirava fundo, ofegante.
Prepare-se, minha filha, pensou Safã, esqueça a sua família e a sua casa, pois o rei a avistou e a deseja. Com certeza irá querer desfrutar de sua beleza. E, como ele é seu senhor, você terá de se ajoelhar perante ele.
- Ela tem asas? - perguntou o rei. - A sua cabeça está cingida de luz?
- Não - respondeu Safã, acostumado a que o rei fizesse perguntas não tão óbvias ou naturais para as pessoas comuns. - Ela não tem asas. Ela é tal como a vê, em cada detalhe.
- Traga essa mulher para mim - ordenou o rei, mas permaneceu na mesma posição, inclinado para frente, perscrutando atentamente a mulher.
- O que devo dizer a ela? - perguntou Safã.
O rei não respondeu; apenas sacudiu a cabeça impacientemente, o que significava: diga-lhe o que preferir, diga que o rei está rendido e desfalece, doente de amor, desde que a viu, diga que o rei mandará acoitá-la, apedrejá-la ou queimá-la se ela não vier, diga a ela a verdade!
Safã levou consigo dois homens da guarda real. Ele sabia que as mulheres menosprezavam os rapazes. E, também, se ela tivesse um homem em casa, talvez tivesse que mandar matá-lo, mesmo que fosse seu marido.
O rei é como uma criança, pensou afetuosamente. Ele transborda emoções. É trinta anos mais velho do que eu e, mesmo assim, às vezes sinto como se ele fosse o meu filho.
Betsabé penteou o cabelo, colocou um jasmim amarelo na testa, prendeu uma corrente de ouro em torno do pescoço e vestiu-se com um véu e uma túnica vermelha. Safã e os dois guardas esperavam na porta. Ela deixou-os esperando. Ela deixou o rei Davi esperando.
Por fim, saiu. Virou-se para os homens, cujos tórax poderosos estavam protegidos por armaduras douradas.
- Estou bonita? - perguntou, ansiosa e sem malícia.
- Você é espontaneamente bela - respondeu Safã com sua voz infantil, ridiculamente aguda.


Tradução: RICARDO ANIBAL ROSENBUSCH

(255 págs.)