segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Círculo do Livro

HONORÉ DE BALZAC

A mulher de trinta anos
"La femme de trente ans"


(1829 et 1842)























Primeira parte

PRIMEIROS ERROS

A Jovem

No começo do mês de abril de 1813, houve um domingo cuja manhã prometia um desses belos dias em que os parisienses, pela primeira vez no ano, vêem as calçadas sem lama e o céu sem nuvens. Pouco antes do meio-dia, um cabriolé puxado por dois fogosos cavalos desembocou na Rua de Rivoli pela Rua Castiglione, e parou atrás de diversas equipagens estacionadas junto à grade recentemente aberta no meio do terraço dos Feuillants (1). Esse ligeiro carro era conduzido por um homem de aparência preocupada e doentia; cabelos grisalhos mal cobriam seu crânio amarelo e o tornavam precocemente velho. O homem atirou as rédeas ao lacaio a cavalo que seguia o carro e desceu para tomar nos braços uma jovem cuja beleza frágil atraiu a atenção dos ociosos em passeio pelo terraço. A mocinha deixou-se complacentemente estreitar pela cintura, de pé no estribo da carruagem, e passou os braços em torno do pescoço de seu guia, que a colocou na calçada sem amarrotar a guarnição do seu vestido de repes verde. Um amante não teria tido tanto cuidado. O desconhecido devia ser o pai daquela menina que, sem agradecer, tomou-lhe familiarmente o braço e arrastou-o bruscamente para o jardim. O velho pai observou os olhares maravilhados de alguns rapazes, e a tristeza impressa em seu rosto desvaneceu-se por um momento. Embora há muito tempo ele já houvesse passado da idade em que os homens se devem contentar apenas com os enganadores prazeres que dá a vaidade, pôs-se a sorrir:
- Pensam que és minha esposa - disse ao ouvido da jovem, erguendo-se e andando com uma lentidão que a deseperou.

1. O terraço dos Feuillants: nome de um terreno entre a atual Rua São Honorato e o terraço das Tulherias, onde Henrique III instalou o mosteiro da Ordem dos Feuillants, mais tarde ocupado pela Convenção.


«O livro traça um retrato da condição da mulher aristocrático-burguesa da primeira metade do século XIX, em França, submetida às obrigações do casamento, impossibilitada de desfazer os laços do mesmo quando se sente enganada nas expectativas de uma vida em comum, ao mesmo tempo que regista o perfil de uma mulher intelectualmente independente, determinada, culta, sensível, e, por isso, vítima heróica e martirizada dessa mesma condição.»


Tradução de CASIMIRO FERNANDES e
WILSON LOUSADA
Ano de publicação: 1973

(232 págs.)