Círculo do Livro
MARIO PUZO
O siciliano
"The Sicilian"
(1987)
MARIO PUZO
O siciliano
"The Sicilian"
(1987)
LIVRO
I
Michael Corleone
1950
Capítulo 1
Michael Corleone estava parado num cais de madeira comprido, em Palermo, observando o enorme navio zarpar para os Estados Unidos. Deveria ter partido naquele navio, mas recebera novas instruções do pai.
Ele acenou em despedida para os homens que estavam no pequeno barco pesqueiro e que que o haviam trazido ao cais, os homens incumbidos de sua proteção durante os últimos dois anos. O barco balançava na esteira branca do navio, um corajoso patinho atrás de sua mãe. Os homens a bordo acenaram em resposta; ele não mais os veria.
O cais estava repleto de homens apressados, de gorro e calças largas, que descarregavam outros navios e levavam as mercadorias para os caminhões. Eram homens pequenos e fortes, que mais pareciam árabes do que italianos, usando gorros pontudos que lhes encobriam o rosto. Entre eles estariam os novos guarda-costas, cuidando de que nada lhe acontecesse, antes do encontro com o dom Croce Malo, Capo di Capi dos "Amigos dos Amigos", como eram chamados na Sicília. Os jornais e o mundo exterior chamavam-nos de Máfia, mas na Sicília a palavra "máfia" nunca passava pelos lábios do homem comum. Assim como nunca chamariam dom Croce Malo de Capo di Capi, mas apenas de "A Boa Alma".
Em seus anos de exílio na Itália, Michael ouvira muitas histórias sobre dom Croce, algumas tão fantásticas que ele quase não pudera acreditar na existência de um homem assim. Mas as instruções enviadas por seu pai eram explícitas: ele deveria almoçar com dom Croce naquele mesmo dia. E os dois deveriam acertar a fuga da Sicília do maior bandido do país, Salvatore Guiliano. Michael Corleone não podia deixar a Sicília sem Guiliano.
Além da extremidade do píer, numa rua estreita, a não mais de cinquenta metros de distância havia um enorme carro escuro estacionado. Três homens estavam parados na frente, retângulos escuros recortados contra a claridade intensa que caía do sol como uma parede de ouro. Michael encaminhou-se na direção deles. Parou por um momento, a fim de acender um cigarro e contemplar a cidade.
Palermo repousava ao fundo de uma bacia criada por um vulcão extinto, comprimida por montanhas por três lados e aberta para o azul deslumbrante do mar Mediterrâneo pelo quarto. A cidade tremeluzia aos raios dourados do sol a pino siciliano. Veias de luz vermelha riscavam a terra, como se refletissem o sangue derramado no solo da Sicília por incontáveis séculos. Os raios dourados banhavam imponentes colunas de mármore de templos gregos, rendilhadas torres muçulmanas, as intricadas fachadas ameaçadoras de catedrais espanholas; as ameias de um antigo castelo normando franjavam a encosta de uma colina distante. Tudo deixado por exércitos diversos e cruéis, que haviam dominado a Sicília antes mesmo de Cristo nascer. Mais além, montanhas em formato de cone envolviam a ligeiramente afeminada cidade de Palermo num abraço sufocante, como se caíssem de joelhos graciosamente, com uma corda firmemente apertada no pescoço da cidade. E, lá no alto, incontáveis gaviões vermelhos disparavam pelo brilhante céu azul.
I
Michael Corleone
1950
Capítulo 1
Michael Corleone estava parado num cais de madeira comprido, em Palermo, observando o enorme navio zarpar para os Estados Unidos. Deveria ter partido naquele navio, mas recebera novas instruções do pai.
Ele acenou em despedida para os homens que estavam no pequeno barco pesqueiro e que que o haviam trazido ao cais, os homens incumbidos de sua proteção durante os últimos dois anos. O barco balançava na esteira branca do navio, um corajoso patinho atrás de sua mãe. Os homens a bordo acenaram em resposta; ele não mais os veria.
O cais estava repleto de homens apressados, de gorro e calças largas, que descarregavam outros navios e levavam as mercadorias para os caminhões. Eram homens pequenos e fortes, que mais pareciam árabes do que italianos, usando gorros pontudos que lhes encobriam o rosto. Entre eles estariam os novos guarda-costas, cuidando de que nada lhe acontecesse, antes do encontro com o dom Croce Malo, Capo di Capi dos "Amigos dos Amigos", como eram chamados na Sicília. Os jornais e o mundo exterior chamavam-nos de Máfia, mas na Sicília a palavra "máfia" nunca passava pelos lábios do homem comum. Assim como nunca chamariam dom Croce Malo de Capo di Capi, mas apenas de "A Boa Alma".
Em seus anos de exílio na Itália, Michael ouvira muitas histórias sobre dom Croce, algumas tão fantásticas que ele quase não pudera acreditar na existência de um homem assim. Mas as instruções enviadas por seu pai eram explícitas: ele deveria almoçar com dom Croce naquele mesmo dia. E os dois deveriam acertar a fuga da Sicília do maior bandido do país, Salvatore Guiliano. Michael Corleone não podia deixar a Sicília sem Guiliano.
Além da extremidade do píer, numa rua estreita, a não mais de cinquenta metros de distância havia um enorme carro escuro estacionado. Três homens estavam parados na frente, retângulos escuros recortados contra a claridade intensa que caía do sol como uma parede de ouro. Michael encaminhou-se na direção deles. Parou por um momento, a fim de acender um cigarro e contemplar a cidade.
Palermo repousava ao fundo de uma bacia criada por um vulcão extinto, comprimida por montanhas por três lados e aberta para o azul deslumbrante do mar Mediterrâneo pelo quarto. A cidade tremeluzia aos raios dourados do sol a pino siciliano. Veias de luz vermelha riscavam a terra, como se refletissem o sangue derramado no solo da Sicília por incontáveis séculos. Os raios dourados banhavam imponentes colunas de mármore de templos gregos, rendilhadas torres muçulmanas, as intricadas fachadas ameaçadoras de catedrais espanholas; as ameias de um antigo castelo normando franjavam a encosta de uma colina distante. Tudo deixado por exércitos diversos e cruéis, que haviam dominado a Sicília antes mesmo de Cristo nascer. Mais além, montanhas em formato de cone envolviam a ligeiramente afeminada cidade de Palermo num abraço sufocante, como se caíssem de joelhos graciosamente, com uma corda firmemente apertada no pescoço da cidade. E, lá no alto, incontáveis gaviões vermelhos disparavam pelo brilhante céu azul.
Tradução: A. B. PINHEIRO DE LEMOS
(372 págs.)
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