sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

TRADIÇÃO NAS BANCAS

Nos recém-completados 60 anos da editora Globo, antes chamada de RGE, destaca-se uma longa trajetória dedicada aos quadrinhos

Por Antônio Luiz Ribeiro

No início dos anos 1950, o empresário e jornalista Roberto Marinho estava convicto de que era hora de expandir seus negócios. Sentia necessidade de criar uma editora para suas revistas, como Globo Juvenil e Gibi. A ideia era batizar a nova editora de Globo, mas esse nome já pertencia a outra empresa editorial gaúcha. Por conta dessa limitação, Marinho optou por "Rio Gráfica e Editora", que ficaria conhecida entre os leitores como RGE (só em 1986 mudaria para Globo). Fundada em 30 de maio de 1952, a empresa carioca publicaria nas décadas seguintes importantes séries em quadrinhos da King Features (Flash Gordon, Mandrake, Fantasma, Recruta Zero), Marvel (Homem-Aranha, Hulk), Vertigo (Sandman) e Mauricio de Sousa (Turma da Mônica), além de uma infinidade de revistas de terror, humor e, sobretudo, faroeste.


Em seus primeiros anos, a RGE apostou em diversos gêneros e ainda contava com títulos veteranos Novo Gibi, O Globo Juvenil e O Globo Juvenil Mensal, que continuavam a antiga numeração do tempo em que eram publicados pelo jornal O Globo. Os heróis fantasiados estavam em minoria na empresa e eram basicamente três: Fantasma, Capitão Marvel e Águia Negra. Isso era reflexo do mercado norte-americano do período, que preferiu apostar em outros gêneros mais populares aos leitores do pós-Guerra. Também é bom frisar que ainda não existiam conceitos como "universo Marvel" ou "universo DC". Aqueles personagens eram todos "heróis da RGE".

Imagem: gibiantigo.blogspot.com

Os leitores até sabiam que a maioria desses heróis era produzida nos Estados Unidos, mas desconheciam suas editoras originais. Ao contrário de hoje, diferentes licenciadores podiam publicar na mesma revista. Por exemplo, era normal Lorna (a heroína da Marvel) aparecer na revista do Fantasma (da King Features) ou Marvelman (da inglesa L. Miller & Son) fazer parte do título do Capitão Marvel (da americana Fawcett). A prática era vista com tanta naturalidade que ninguém estranhou quando a RGE, na falta de material norte-americano, produziu por conta própria uma HQ em que o Tocha Humana (Marvel) e o Capitão Marvel (Fawcett) apareciam numa mesma aventura. Esse curioso encontro aconteceu no Almanaque do Globo Juvenil.

As primeiras revistas da RGE eram capitaneadas pelo próprio Roberto Marinho, que nunca escondeu seu amor por aqueles heróis de papel. Mas, ocupado que era, ainda na década de 1950, viu-se obrigado a passar suas tarefas da edição a Rubens de Oliveira - que ficou responsável também pelas revistas policiais da empresa. Marinho limitava-se a negociar materiais, supervisionar a editoria de quadrinhos e defendê-los perante a opinião pública, que cada vez mais via os gibis com maus olhos, considerando-os incentivadores da delinquência juvenil, entre outros pecados.

Essa cruzada contra as revistas em quadrinhos alcançou seu pico em 1961, agravada pelo corte do subsídio ao papel durante o governo do presidente Jânio Quadros, que elevou os custos da produção das revistas para calar a imprensa. Isso obrigou Marinho e outros editores, como Adolfo Aizen (Ebal), Alfredo Machado (Record), Assis Chateubriand (O Cruzeiro) e Victor Civita (Ed. Abril), e se mobilizarem. O resultado foi a criação de um código de ética, elaborado por Machado e Aizen, semelhante ao Comic Code Authority elaborado sete anos antes pelos editores norte-americanos, representado por um pequeno selo que vinha nas capas dos gibis.  Essa autorregulamentação garantia que as revistas com o selo estavam livres de cenas de violência, sexo, prostituição e outras ameaças aos bons costumes.

Com a renúncia de Jânio, em 1961, as preocupações de Roberto Marinho e de outros editores brasileiros acabaram. O dono da RGE, agora mais tranquilo, foi se afastando da trabalhosa produção dos gibis, passando cada vez mais a responsabilidade para seus editores e assessores diretos. Até que, em 1963, aos 59 anos, deixou de vez o processo, pois estava empenhado em captar recursos para a criação de seu canal de TV que, no futuro, tornaria-se a poderosa Rede Globo.

MUNDO DOS SUPER-HERÓIS #35 - Julho de 2012 - Editora Europa.

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