quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Zelda: A Link to the Past


Há algo único em jogar um jogo Zelda visto de cima. Shigeru Miyamoto, numa citação já famosa, uma vez disse que o Ocarina of Time do N64 - que apareceu longos sete anos depois de A Link to the Past, seu predecessor em console doméstico, ser lançado em 1991 - era como ele sempre imaginou Zelda em sua mente. A implicação é que Ocarina era todo o mundo de Hyrule, plenamente realizado, da maneira que deveria, e que as versões em 2D eram literalmente meras projeções de suas encarnações posteriores.

E ainda assim, o Zelda visto de cima se nega a morrer, ainda superando em quantidade os jogos 3D da série, na proporção de 2:1. A Link to the Past foi sucedido pelo clássico de Game Boy Link's Awakening, provavelmente o episódio mais belamente projetado de toda a franquia, uma aventura épica destilada para caber em apenas 160x144 pixels. A Flagship, subsidiária da Capcom, foi convocada para ajudar a criar a dupla Oracle e o simpático Minish Cap, para GBC e GBA, respectivamente. Phantom Hourglass, o primeiro para Nintendo DS, força a perspectiva de cima em mundo 3D, o que não o impediu de vender extremamente bem em todos os territórios em que foi lançado. Até o GameCube convidou o Zelda 2D de volta à TV para uma reinterpretação voltada para o modo multijogadores, Four Swords Adventures.

Obviamente, a adequação para sistemas portáteis é a principal explicação para a sobrevivência dessa proposta, mas não a única. Algo que é fácil de esquecer sobre os Zeldas 2D se você não jogou nenhum desde Ocarina é o quanto eles são rápidos. Por mais que A Link to the Past transcorra em um mundo vasto - afinal, ele foi o primeiro jogo de Super NES a ter o luxo de contar com 16 megabits de dados -, ele era um jogo de ação rápido e enxuto, progredindo apressadamente com combates ritmados baseados no massacre de um botão. Link consegue se deslocar de uma ponta à outra do mapa em questão de poucos minutos. Nos dias de hoje, a regra dita que, quanto mais complexo, detalhado e grande for o mundo de um jogo de aventura, mais charmoso é o seu progredir e mais envolvente o estilo de jogo. Nesse contexto, o fato de A Link to the Past misturar a urgência típica dos arcades com a profundidade insondável da série é causa de absoluto deleite, um milagre de uma época longínqua.

É o outro lado da declaração de Miyamoto: A Link to the Past é o épico romântico condensado, codificado, transformado com a máxima eficiência em um encantador emaranhado de sprites e ícones que transborda vida. É Zelda concentrado, uma dose poderosa e inebriante de algo em que os videogames já foram bons, mas que há muito esqueceram de fazer: encolher milagrosamente mundos inteiros só com o poder da imaginação.

E que mundo foi encolhido! Jogue A Link to the Past imediatamente após Ocarina e você ficará impressionado por descobrir o quão conceitualmente próximos são os dois jogos. Cada pequena porção de Hyrule está lá no jogo mais velho: a alegria bucólica, as rudes terras selvagens, a emoção, a comédia, a crua humanidade, o mistério atraente. Como provou-se, A Link to the Past não apenas estabeleceu a fórmula para os Zeldas 2D que os manteria coerentes pelos próximos 16 anos. Ele definiu a série inteira, incluindo os jogos 3D. Ele mapeou cuidadosamente as regras e lendas da criação mais intricada e duradoura dos games, para que todos nós pudéssemos ver de cima e ficássemos boquiabertos.

A inovação prática mais importante que ele trouxe em relação ao primeiro Legend of Zelda foi provavelmente os calabouços de múltiplos andares. Não parece espantoso, mas, a inclusão de vários pavimentos foi, com efeito, a transição da série para três dimensões antes do fato consumado. Miyamoto, Takashi Tezuka e seus designers começaram instantaneamente a explorar relações espaciais extremamente complexas e a explorar o potencial para transformar calabouços em quebra-cabeças de várias camadas, o equivalente aos trava-línguas para os olhos da mente.

Mas eles tinham um metaenigma ainda mais esplêndido em mente, um que tornaria a pedra fundamental de design e temática para a série. A inesperada transposição de Link para o Dark World na metade de A Link to the Past estreou em Zelda o conceito de dois reinos paralelos, e a série nunca mais voltaria atrás. Ocarina e o recente Twilight Princess o copiaram quase que ipsis litteris, com o futuro desolado de um e o reino das sombras de outro. Minish Cap deu uma interpretação dimensional à ideia com a habilidade de encolher Link a um tamanho microscópico. Oracle of Ages e Seasons foram ainda mais longe e dividiram os dois mundos em dois cartuchos diferentes, conectados pelo tênue fio de troca de dados. E os jogos que não usaram de fato dois mundos em seu design ainda assim valeram-se grandemente do conceito em suas histórias. Tanto The Wind Waker quanto Majora's Mask pareciam se passar exclusivamente em um universo paralelo, enquanto a versão "verdadeira" da Hyrule de Ocarina pairava sobre tudo (ou, mais precisamente no caso de Wind Waker, abaixo de seus mares) como uma sombra.

A genialidade do Dark World é que ele tinha um impacto tremendo em A Link to the Past em dois níveis diferentes - o que não poderia ser mais apropriado. Ele é um inesperado e pesado golpe emocional, uma combinação dupla de deslumbramento e medo de ser transportado para o seu mundo sujo, sinistro e insolente onde tudo é igual e também diferente. Ele o persegue, lembrando insistentemente do que vai acontecer com Hyrule caso você falhe, e nos permite um gosto pelo lúgubre e malicioso e misantrópico, que tão raramente aparecem em jogos da Nintendo.

Mas o Dark World enriquece incalculavelmente o design do mundo do jogo também. Na verdade, esqueça isso, a sua contrubuição pode ser calculada exatamente: ele dobra o mundo. Quando você descobre a habilidade de viajar entre os mundos da luz e da escuridão, a relação entre eles se torna um fascínio obsessivo, origem de incontáveis enigmas torturantes que literalmente quebra o jogo em pedaços e o constrói de volta. É a expressão definitiva daquilo que torna os jogos Zelda tão infinitamente cativantes e gratificantes de se jogar. Se A Link to the Past é "apenas" o melhor Zelda em duas dimensões, então isso não é algo de que se envergonhar: ele é ainda algo mais do que a maioria dos jogos.



Plataforma: SNES/GBA
Produção: Nintendo
Desenvolvimento: Nintendo
Lançamento: Novembro de 1991 (SNES, Japão)

Fonte: Os 100 Melhores Jogos - Editora Europa
págs. 164-167

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