quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Um giro no mundo - II

Grávida de sete meses de João Marcelo Bôscoli, hoje presidente da gravadora Trama, Elis entoou corajosamente na temporada do Canecão de 1970 as cartas musicais do exílio "Não Tenha Medo", de Caetano Veloso, e "Fechado pra Balanço", de Gilberto Gil, feitas exclusivamente para ela, antes opositora do Tropicalismo, agora solidária, como quase todos, aos baianos brutalmente deportados. As músicas foram incluídas no LP ...Em Pleno Verão, ao lado de "These Are The Songs", do novato Tim Maia, com quem ela cantava um dueto sugerido pelo produtor musical e jornalista Nelson Motta.

Na ocasião, Nelsinho fora convocado por André Midani, o onipresente presidente da Phillips, para produzir o disco e dirigir Elis em seu ímpeto de modernização de repertório e estética, emperrando de certa forma pela comunhão profissional e matrimonial com Ronaldo Bôscoli. Ainda que destituído do cargo quase vitalício, Bôscoli aprovara a ideia, afinal, o futuro produtor de sua mulher era, além de respeitado no meio musical, seu afilhado de casamento.

Já o casamento de Ronaldo com Elis assemelhava-se àquela altura mais a um duelo. Os dois aparentavam estar casados "contra" e não "com" o outro. As cenas de ciúmes eram públicas, como o lendário balde de gelo derramado na boate Flag por Elis sobre a intempestiva e portentosa Maysa - cantora constante da enorme lista de ex-namoradas de Bôscoli -, fato que provava a distante noção de perigo que tinha a Pimentinha.

Mesmo com a diminuição da área de atrito, o afastamento do conservador Ronaldo da produção musical não atenuara em nada o relacionamento inflamável de um casal que tinha uma diferença de 17 anos entre si.

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus


Afinados no mesmo desejo renovador dos vinte e poucos anos que ambos tinham, Nelson e Elis se deram bem demais em um relacionamento de trabalho completamente oposto ao pugilismo profissional com o marido dela. Nelson conta em seu livro Noites tropicais que, em um dos encontros para escolha de repertório, ele levara à casa da cantora a compositora Joyce, o namorado desta e mais uma convidada ilustre chamada mescalina - uma droga que, segundo o doidão pós-graduado Tim Maia, era uma espécie de LSD "orgânica".

Abandonados pelo casal visitante ao amanhecer, encobertos pela comunhão lisérgica e pela cumplicidade aconchegante de uma manta, rolou o beijo que detonaria um romance clandestinamente tórrido e que iria misturar alegria e culpa na mesma perigosa proporção. Com o affair ainda a pleno vapor naquele quase um ano de constante convivência nos estúdios e fora deles, em uma triste manhã de outubro em que Nelsinho já estava separado da mulher, Elis ligaria do hospital onde o marido estava internado por conta de uma crise depressiva. Na ligação, a amante, que estava na frente do marido, responsabilizou-o por todos os "boatos absurdos" sobre um suposto caso entre os dois. Logo depois Elis encerrou definitiva e abruptamente a ligação e todo e qualquer contato com Nelsinho. Estranhamente, Elis, que sempre na estética escolhera a liberdade da revolução, no amor acabara optando ali por permanecer na clausura do conservadorismo.

O compacto duplo lançado em 1970 com o petardo "Madalena", letra de Ronaldo Monteiro de Souza para melodia de Ivan Lins, que estourara no Brasil, plantava uma longa parceria entre a cantora e o compositor, parceria essa que se estenderia à telinha de TV, para onde Elis voltaria comandando com Ivan o programa Som Livre Exportação, e também na Globo estrearia o programa mensal Elis Especial, dirigido pelos renitentes Miele & Bôscoli.

Em 1971 sairia pela Phillips o disco Ela com o sucesso "Madalena" e "Black is Beautiful", um blues ousado dos irmãos Valle, bem afeito ao ideário hippie antirracista e miscigenado. Naquele ano, o arranjador, pianista e futuro marido, César Camargo Mariano, formaria com outros quatro músicos a base de seu show É Elis, ainda dirigido pela dupla Luiz Carlos Miele e Ronaldo Bôscoli, de quem finalmente se separaria em 1972. É Elis traria novos compositores à cena, como Raimundo Fagner, João Bosco e Sueli Costa, firmando a vocação da cantora - que se tornaria tradicional - de revelar novos ou resgatar esquecidos valores da MPB.

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

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