Lendo as mensagens deixadas pelos leitores da coluna que escrevo para o site Almas Gêmeas, do Zaz, fui atingida por uma pergunta à queima-roupa:a necessidade cria o amor ou ele existe?
A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, o amor existe. Sim,a necessidade cria o amor. Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fadas a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera,que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas.
Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital.
Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo, avisam os deuses lá em cima.
Rendo-me. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável.
Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera. Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos.
Passam-se os anos e esse amor não sinaliza, não se apresenta, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa.
Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca à sua volta, e a baixa auto-estima impede a passagem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro.
Qual a saída: assumir a solidão ou usar a imaginação?
O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza.
A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio.
A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos.
A necessidade encontra sinônimos para o amor: amizade, atração, afinidade, destino, ocasião.
A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio.
O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor.
O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual.
ƸӜƷ
Martha Medeiros
Trem Bala
Outubro de 1998
A questão é delicada e conduz a uma resposta que confunde mais do que explica. Sim, o amor existe. Sim,a necessidade cria o amor. Na verdade, fomos condicionados pela sociedade e seus contos de fadas a acreditar que o amor é uma coisa que acontece quando menos se espera,que domina nosso coração, que interrompe nossos neurônios e nos captura para uma vida de palpitações, suspiros e lágrimas.
Que o amor não tem idade, não tem hora pra chegar, não tem escapatória. Que o amor é lindo, poderoso e absoluto, que vence todos os preconceitos, que vence a nossa resistência e ceticismo, que é transformador e vital.
Esse amor existe e ai de quem se atrever a questioná-lo, avisam os deuses lá em cima.
Rendo-me. Esse amor existe mesmo, é invasivo e muitas vezes perverso, mas também pode ser discreto, sereno e indolor. Costuma acontecer ao menos uma vez na vida de todo ser humano, ou pode acontecer todo final de semana, se for o caso de um coração insaciável.
Mas também pode acontecer nunquinha, e aí a outra verdade impera. Sim, a necessidade também cria o amor. A pessoa nasce idealizando um parceiro para dividir a janta e as agruras, a cama e as contas, os pensamentos e os filhos.
Passam-se os anos e esse amor não sinaliza, não se apresenta, e o relógio segue marcando as horas, lembrando que o tempo voa.
Esse ser solitário começa a amar menos a si mesmo, pelo pouco alvoroço que provoca à sua volta, e a baixa auto-estima impede a passagem de quem quer se aproximar. É um círculo vicioso que não chega a ser raro.
Qual a saída: assumir a solidão ou usar a imaginação?
O nosso amor a gente inventa, cantou Cazuza.
A necessidade faz quem é feio parecer um deus, quem é tímido parecer um sábio, quem é louco parecer um gênio.
A necessidade nos torna menos críticos, mais tolerantes, menos exigentes, mais criativos.
A necessidade encontra sinônimos para o amor: amizade, atração, afinidade, destino, ocasião.
A necessidade nos torna condescendentes, bem-humorados, otimistas. Se a sorte não acenou com um amor caído dos céus, ao menos temos afeto de sobra e bom poder de adaptação: elegemos como grande amor um amor de tamanho médio.
O coração também sobrevive com paixões inventadas, e não raro essas paixões surpreendem o inventor.
O amor pode ser casual ou intencional. Se nos faz feliz, é amor igual.
ƸӜƷ
Martha Medeiros
Trem Bala
Outubro de 1998
imagem: True Art Gallery
Artist: Karol Bak
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