Antes de catapultar o Homem-Aranha ao topo, J. Michael Straczynski levava uma vida quase miserável, com profanação de corpos e uma violência que quase o matou
Por Mike Cotton
Um por um, seu pai rasgou cada exemplar de Superman. Cada exemplar de X-Men. Cada exemplar de Fantastic Four e Amazing Spider-Man (respectivamente, as revistas originais do Quarteto Fantástico e do Homem-Aranha). Enquanto o então adolescente Joseph Michael Straczynski assistia horrorizado, as únicas coisas que possuía e com que realmente se importava eram destruídas...
O senhor Straczynski começou com X-Men 1 e prosseguiu, rasgando cada gibi até que não restasse mais nada para seu filho a não ser uma pilha de quadrinhos, capas e páginas de anúncios que mais pareciam confete a revistas.
Partidário de uma educação rígida, que colocava o desempenho escolar acima de tudo, o pai via as notas de seu filho caindo drasticamente e culpava os quadrinhos pelos quais o rapaz era obcecado. A pregação do dr. Fredric Wertham contra os quadrinhos no livro Seduction of the Innocent (A Sedução do Inocente), de 1954, ainda estigmatizava as HQs como lixo infantil.
O jovem Straczynski passou anos colecionando seus títulos prediletos, de Superman e Batman à séries completas de edições originais da Marvel como Amazing Spider-Man, Incredible Hulk e Fantastic Four. À beira das lágrimas, o garoto que um dia iria revigorar a franquia vacilante do Homem-Aranha só podia olhar sem fazer nada enquanto os objetos de sua inocente adoração eram literalmente despedaçados à sua frente.
A experiência teria traumatizado outros jovens impressionáveis, mas só fez com que Straczynski se dedicasse ainda mais ao sonho de se tornar escritor. Ver sua coleção de quadrinhos destruída foi apenas o primeiro de uma longa série de obstáculos que ele teve de enfrentar para se tornar um dos mais prolíficos e respeitados criadores tanto nas HQs quanto na televisão.
Em sua juventude, JMS (uma sigla que os fãs carinhosamente adotaram para se referir ao autor) estava constantemente se mudando de um lugar para outro dos Estados Unidos, acompanhando seus pais à procura de trabalho. Raramente passou mais de um ano numa mesma escola, e a história de sua família - marcada pelo alcoolismo e por potenciais não concretizados - fazia crer que ele não seria nada mais que um vagabundo.
Durante um passeio de carro num certo domingo, seus pais resolveram fazer uma parada num pequeno cemitério para visitar o túmulo de seu avô. Nada havia preparado Straczynski para o que viu naquele dia.
Seu avô jazia em um túmulo modesto sem nenhuma inscrição. Um simples mastro de aço e uma placa de bronze com um número gravado eram as únicas marcas que o distinguiam. Essa foi uma lembrança que assombrou JMS tão profundamente, que ele decidiu, naquele instante, que deixaria uma marca no mundo, não importa quanto custasse.
Infelizmente, sua família não via futuro na carreira de escritor de seu filho. "Escritores não saem de Paterson, Nova Jersey", recorda-se de ter escutado na infância Straczynski, hoje com 51 anos. "Isso é uma coisa que só as pessoas em torres de marfim fazem."
Durante anos, a família de Straczynski lhe perguntava: "O que você escreveu até hoje?" A resposta era tão simples quanto seu amor pela palavra escrita: "Ainda não estou pronto."
Então, certa noite, quando estava sozinho, ele teve uma inspiração e escreveu uma história curta completa nas seis horas seguintes. Logo, ele estava colaborando com o jornal do colégio, depois para o da faculdade. Os colegas o chamavam de "Joe Diário", numa alusão ao jornal de San Diego The Daily Aztec (O Asteca Diário), por causa dos artigos diários de Straczynski.
Embora fosse muito prolífico, um professor insistia em dizer que JMS não tinha chance na carreira. "Ao final do semestre, ele falou: 'Você não tem o temperamento para ser um escritor profissional', recorda-se. "'Vá fazer outra coisa'".
Durante anos, quando vendia uma história ou uma peça minha era produzida, eu lhe enviei as resenhas dos jornais. Daí, alguém me disse que ele faleceu. Então, fui até o cemitério, enrolei uma das matérias num graveto e enterrei na terra sobre seu coração e fui embora. E jamais me arrependi disso."
Embora JMS tenha violado um túmulo, quase não conseguiu evitar a própria morte em 1978. Certa vez enquanto caminhava pelas ruas de San Diego tarde da noite, o aspirante a escritor foi atacado por um bando de trombadinhas e espancado sem piedade.
"Vi quatro sujeitos atravessando a rua na minha direção e não dei muita bola", relembra. "O cara que vinha na frente me empurrou e me derrubou no chão. Então, eles me espancaram por uns 10 ou 15 minutos. Tive várias lacerações. Minha orelha foi rasgada pela metade e quebrei alguns ossos. No hospital, me perguntavam: 'Qual é a sua religião?', o que, sem dúvida, é um mau sinal,"
Enquanto estava no pronto-socorro se restabelecendo do corte na orelha direita (que até hoje não tem um pedaço), Straczynski teve uma epifania.
"Resolvi que não ia morrer", relembra o autor. "Eu tinha muitas histórias para contar. Estava com tanta raiva, que acabei me recuperando."
Foi aí que ele decidiu formalmente seguir a carreira de escritor profissional e logo começou a apresentar ideias para publicações de San Diego. Chegou a se encontrar com a equipe da revista People, mas depois de uma árdua reunião às 10 horas da manhã para discutir suas propostas, foi embora.
"Eu disse para mim mesmo: 'O que vou fazer?'", ri. "Pensei: 'Gosto é de desenhos animados. Preciso encarar seriamente a ideia de escrever pra televisão'. Como adorava o desenho do He-Man, fiz um roteiro e mandei pra emissora. Não tinha nenhum agente, nenhuma representação, nada."
Wizard Brasil #22 - Julho de 2005 - Panini Comics
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