SHAKESPEARE |
O fundador de tradições
POR RICARDO LÍSIAS
Coroada rainha da Inglaterra em 1558, Elizabeth I imediatamente determinou que as artes tivessem lugar central em seu reino. Culta e interessada em línguas estrangeiras, a monarca de apenas 25 anos percebeu que o teatro, além de oferecer um entretenimento de primeira grandeza, servia também para distrair e agradar a população. Assim, incentivou a criação de companhias que pudessem atuar tanto para uma platéia culta e nobre quanto para o povo em geral. Além disso, apoiou a carreira de ator e ajudou a construção de teatros. Ao menos dois grandes e importantes complexos dramatúrgicos foram erguidos durante o seu reinado: o Theatre surgiu em 1576 e O Globo, cuja lista de sócios contava com o nome de William Shakespeare (1564-1616), apareceu em 1599.
Ambos os teatros tiveram vida curta: o de Shakespeare acabou vítima de um incêndio e precisou ser reconstruído. No entanto, a dramaturgia parece ter de fato feito um casamento feliz com a língua inglesa. Mesmo depois da morte da rainha Elisabeth I, em 1603, seu sucessor, Jaime I, continuou apoiando os palcos - até porque àquela altura já estava bem claro que o teatro era excelente maneira de intervir na política.
O período elisabetano (que se estende até algumas décadas depois da morte da rainha) é conturbado no plano político. A ilha britânica vê crescer o movimento puritano e toma força certo republicano que iria culminar com a revolta liderada por Cromwell. Culturalmente, porém, o período é um dos mais animados. É provável que apenas a agitação do final do século XIX em diante se equipare àqueles anos.
Além de Shakespeare, autores como Francis Bacon, John Donne e Milton produziram textos hoje clássicos no âmbito da literatura e do pensamento ocidental. Shakespeare está no centro. Ele é considerado por críticos da estatura de Harold Bloom o responsável por nada menos que a formatação do homem moderno. Trocando em miúdos, o jeito como o ser humano se enxerga seria devido a peças como Hamlet, Macbeth e, entre tantas outras, O rei Lear.
Não existe cidade no mundo com um teatro que não tenha representado uma das peças de Shakespeare. Estima-se, mesmo, que a partir do século passado não houve um segundo sequer sem que, em algum lugar do mundo, um ator não estivesse representando uma peça de Shakespeare.
Muito pouco se conhece de sua vida. Indícios apontam que ele nasceu em algum dia do final de abril de 1564, em Stratford-upon-Avon, então uma cidadezinha sem importância da Inglaterra, hoje convertida em centro de peregrinação. Com 23 anos e a vontade de se inserir em um meio mais agitado, o dramaturgo vai para Londres e logo se enturma em uma das companhias reais, fazendo sucesso primeiro como ator e, pouco depois, como autor de peças que emocionam o público. No início da última década do século XVI, sua primeira peça, Henrique VI, um drama histórico em três partes, estreia e daí em diante ele vai, ano a ano, tornando-se uma lenda viva nos palcos ingleses.
Shakespeare começa a incomodar alguns dramaturgos de sucesso, que se irritam com a ascensão de um homem vindo do interior, sem educação formal. Até ali, a maior parte dos dramaturgos vinha de boa família e antes de escrever suas peças passava por temporadas em centros de excelência como Oxford e Cambridge. A propósito, um dos primeiros documentos que citam Shakespeare é a carta de um desses teatrólogos eruditos que reclamava do sucesso do "agitador" interiorano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário