quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

XXII


QUANTAS vezes, amor, te amei sem ver-te e talvez
sem lembrança,
sem reconhecer teu olhar, sem fitar-te, centaura,
em regiões contrárias, num meio-dia queimante:
era só o aroma dos cereais que amo.

Talvez te vi, te supus ao passar levantando uma taça
em Angola, à luz da lua de junho,
ou eras tu a cintura daquela guitarra
que toquei nas trevas e ressou como o mar desmedido.

Te amei sem que eu o soubesse, e busquei tua memória.
Nas casas vazias entrei com lanterna a roubar teu retrato.
Mas eu já não sabia como eras. De repente

enquanto ias comigo te toquei e se deteve minha vida:
diante de meus olhos estavas, regendo-me, e reinas.
Como fogueira nos bosques o fogo é teu reino.

Pablo Neruda
Cem Sonetos de Amor
Manhã

L&PM Pocket
julho de 2011

Um comentário:

  1. XXII descreve perfeitamente a descoberta de um amor que não tinha sido notado que existia...e qdo foi sabido que era amor, o tempo se deteve...recomeçando a vida...e a foto perfeita.
    Parabéns pela escolha Cristiano.
    Beijos.

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