sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Dante Alighieri

PREFÁCIO

NOTÍCIAS SOBRE O AUTOR E A OBRA


Dante Alighieri nasceu, em maio de 1265, na então mais popular, culta e rica cidade ocidental: Florença. Esta informação é útil para quem estranhe as continuadas e impiedosas disputas pelo poder local, a singularidade de haver sido ela, em tão curto espaço de tempo, berço de muitos homens geniais em suas respectivas atividades e o porquê de seus filhos exilados não encontrarem conforto em qualquer outro Estado. Tudo o que repetidamente comparece nas páginas da Divina Comédia.

Aquela foi a época de grandes amores e grandes ódios; de profundas dedicações, de renúncias vigorosas; de fé exaltada, de abjeções dolorosas. E de gênios em profusão. Vale dizer: um tempo de definições. O que ajuda a compreender o haver sido ele homem de “oposição e de luta” durante toda a sua vida.

De quanto se disse, o melhor exemplo é o próprio Dante. Amou e serviu a pátria florentina, na guerra, no gabinete, na política, na poesia; em casa e no exílio, neste mundo e no Além que inventou. Foi do conselho do Capitão, do Conselho dos Cem, embaixador e até Prior – participante do órgão máximo do governo. Perde a pátria, é condenado (1302) e exilado, renuncia ao perdão – com a carta mais serenamente enérgica e altiva que se conhece, viu-se condenado à fogueira e fez condenar os filhos; amaldiçoou-a, pediu ao imperador que a arrasasse, situou-a no fundo do inferno:
Godi, Firenze, poichè sè si grande,
che per mare e per terra batti L’ali,
e per lo inferno, tuo nome si spande.


Terá sido a Bolonha, aprender retórica. Dizem que ali foi aluno de Brunetto Latini, o que é excelente referência. No inferno, porém, figura encontrar o professor e mostra-se respeitoso para com o poeta Brunetto, não para o mestre.
Pragmático e romântico, místico e realista, aliando o fervor do tempo à exuberante capacidade criativa, logo, durante a juventude manteve correspondência em versos com algumas sumidades poéticas. Afirma-se que pela via de um soneto feliz (A ciascun’alma presa e gentil core), composto aos dezoito anos, obteve do chefe-de-escola Guido Cavalcanti ingresso na sociedade culta e gaudente à qual a sua pequena nobreza familiar não teria acesso. Pouco mais tarde, autoridade da República, fez votar lei que punia com o exílio a certas faltas. Um dos punidos foi o amigo Guido. A implacabilidade, a extrema severidade, foi uma das características de Alighieri. No poema, quando o infeliz conde Ugolino pede lágrimas, o viajor – um privilegiado do céu – lhe concede acusações.
Em 1289 cumpriu rito absolutamente necessário: identificou a dama pela qual deveria apaixonar-se até o fim de seus dias. Essa foi Beatriz. O mais decantado e o mais contestado entre os partícipes da Comédia. Papini clamou pela sua insignificância. Mas, ao longo dos 14233 versos do Poema, o nome Beatriz aparece 64 vezes (além de indicações do tipo “a minha dama”, “aquela que”), enquanto Cristo surge 40 vezes, Virgílio, 31 e Maria, 22. Somente o nome de Deus supera o de Beatriz. Não é só na Comédia que o Poeta a enaltece. Não será jamais alijada do espírito dele, sobrepujando amores e interesses, conflitos políticos, éticos, filosóficos. É parte das biografias clássicas o dizer-se que ao morrer Beatriz, aos só 24 anos e mulher de outro homem, Dante imergiu em “tantas dores, tanta aflição e tantas lágrimas” – diz José Perez – “que os seus parentes e amigos nenhum fim dele esperavam que não fosse a morte prematura (...) pois, para ele, nenhuma hora se passava senza guai, senza sospiri, senza copiosa quantità di lacrime”.
Verdade que apesar disso ele casou-se e teve pelo menos três filhos (Jacopo – que veio a ser o seu primeiro biógrafo e comentador, Pietro e Antonia), da esposa Gemma di Manetto Donati. Mas costuma-se desculpá-lo com o dizer que o casamento resultara de arranjos familiares, quando ele ainda menino. De qualquer modo, resultou o maior adúltero espiritual da história da poesia: a esposa e os filhos sequer são mencionados na obra. Genial demais para ser trivialmente burguês!
Político, soldado, homem de governo, embaixador, contribuiu para exaltar as paixões facciosas que agitavam Florença. “Homem difícil de ser e de fazer feliz” – diagnosticou Carlyle. Participou de torneios poéticos, sempre reconhecido grande, sempre nada sociável. Cumprindo a lei, inscreveu-se na Arte dos Médicos e Boticários, sem vir, jamais, a praticá-la. Mas, filho de terra na qual todos eram hábeis diplomatas, em maio de 1300 está coordenando a liga arregimentada pelos toscanos contra o Papa Bonifácio VIII.
Em missão posterior junto ao pontífice, uma reviravolta na política florentina fê-lo, em vez de embaixador, réu incriminado pelo Estado. Multado, desterrado e interdito às funções públicas. Orgulhosamente, não apresentou defesa, recusa-se ao pagamento da multa. Nova sentença cominou-lhe a pena de morte. Insurgiu-se, foi participar de conspirações contra a nova Florença. Perdidos os combates, deu também por perdidas as esperanças do retorno. Mas não a altivez. Conheceu as amarguras das amizades desfeitas prudentemente, das promessas descumpridas. Provou do amargor que reside do outro lado da vitória. Buscou refúgio, no seu dizer: per le parti quase tutte a le quali questa lingua si stende, peregrino, quase mendicando.

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