sexta-feira, 27 de maio de 2011

Os Sofrimentos do Jovem Werther

4 de maio de 1771

Sinto-me feliz por ter partido! O coração do homem, meu caro amigo, é um mistério indecifrável! Deixá-lo, uma pessoa a quem tanto estimo e de quem era inseparável, e mesmo assim estar feliz! Sei que me perdoa. Porém todas as minhas outras relações não teriam sido escolhidas aleatoriamente pelo destino para torturar um coração como o meu? Pobre Leonore! E, no entanto, não tive culpa. Que poderia eu fazer se, enquanto me distraía com a graça sedutora de sua irmã, uma paixão desabrochava em seu peito? E, contudo, estarei completamente livre de censura? Não alimentei os sentimentos dela? Não me diverti com sua ingenuidade natural, que tão frequentemente nos fazia rir, mesmo quando não tinha a menor graça? Não...? Oh! Mas o que é o homem, sempre a lamentar-me de si mesmo? Quero corrigir-me, caro amigo, e prometo que o farei; não quero mais, como tenho feito até agora, remoer os males que o destino nos reserva; quero gozar o presente e considerar o passado apenas passado. Sem dúvida, você tem razão, meu bom amigo: neste mundo haveria menos sofrimento se os homens (só Deus sabe por que eles são assim!) não se ocupassem, com tanta imaginação, em fazer voltar a lembrança das dores passadas, em vez de suportar um presente tolerável.

Por favor, diga à minha mãe que não descuidarei de seus negócios e que lhe mandarei alguma notícia. Conversei com minha tia e não encontrei nela a mulher perversa de que se falava lá em casa. É vivaz, impetuosa, mas de bom coração. Expus-lhe as queixas de mamãe quanto a essa parte da herança que ela conserva em seu poder; ela, então, apresentou-me suas razões, seus motivos e as condições em que se comprometia a entregar tudo, e até mais do que pedíamos. Em resumo, hoje não posso escrever-lhe mais nada sobre esse assunto: diga à mamãe que tudo correrá bem. Pude verificar uma vez, meu caro amigo, nesta questão sem importância, que os mal-entendidos e a negligência causam no mundo muito mais equívocos do que a astúcia e a crueldade. Essas duas, pelo menos, são bem mais raras.

A propósito, sinto-me muito bem aqui. A solidão é para minha alma um bálsamo precioso neste paraíso terrestre, e esta primavera me aquece o coração em todo o seu ardor, esse meu coração que frequentemente estremece de frio. Cada árvore, cada arbusto é um ramalhete de flores, e eu gostaria de me transformar em uma abelha para esvoaçar nesta atmosfera perfumada e dela tirar todo alimento.

A cidade, em si, é desagradável, mas, nos arredores, a natureza é incrivelmente bela. Foi o que conduziu o falecido conde M... a construir seu jardim em uma das colinas que se cruzam com encantadora diversidade, formando vales belíssimos. O jardim é modesto, e logo ao entrar percebe-se que não foi projetado por um sábio jardineiro, mas sim por um homem sensível, que o fazia para seu próprio prazer. Já derramei muitas lágrimas em memória do falecido, no pequeno pavilhão em ruínas que era o seu lugar predileto, e agora é também o meu. Não tardarei a ser dono do jardim; cheguei há poucos dias e o jardineiro já me está inteiramente devotado: não se arrependerá por isso.



Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte: OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
Clássicos Abril Coleções - 2010
págs. 13 e 14

Tradução Leonardo César Lack

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