quinta-feira, 2 de junho de 2011

O Engenhoso Fidalgo D. Quixote da Mancha

CAPÍTULO XXVII

QUE TRATA DA NOVA E AGRADÁVEL AVENTURA QUE
AO CURA E AO BARBEIRO SUCEDEU NA MESMA SERRA

Felicíssimos e venturosos foram os tempos em que se lançou ao mundo o audacíssimo cavaleiro D. Quixote da Mancha, pois, por haver tido tão honrosa determinação como foi o querer ressuscitar e fazer voltar ao mundo a já perdida e quase morta ordem da andante cavalaria, gozamos agora, nesta nossa idade, necessitada de alegres entretenimentos, não só da doçura de sua verdadeira história, mas dos contos e episódios dela, que em parte não são menos agradáveis e artificiosos e verdadeiros que a mesma história; a qual, prosseguindo seu rastelado, torcido e enfusado fio, conta que, assim que o cura começou a preparar-se para consolar Cardênio, o impediu uma voz que lhe chegou aos ouvidos, a qual, com tristes acentos, dizia assim:

- Ai, meu Deus! Será possível que já encontrei lugar que possa servir de escondida sepultura à carga pesada deste corpo, que tão contra a minha vontade sustento? Sim, será, se a solidão que prometem estas serras não me mente. Ai, desditosa, e quão mais agradável companhia farão estas escarpas e brenhas à minha intenção, pois me darão ocasião a que com queixas comunique minha desgraça ao céu, que não a nenhum ser humano, pois não há nenhum na terra de quem se possa esperar conselho nas dúvidas, alívio nas queixas nem remédio nos males!


Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte: O ENGENHOSO FIDALGO D. QUIXOTE DA MANCHA - VOLUME II
Clássicos Abril Coleções - 2010
págs. 17 a 18

Tradução Carlos Nougué e José Luis Sánchez

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