sexta-feira, 17 de junho de 2011

GRANDES ESPERANÇAS

CAPÍTULO 1

O sobrenome da família do meu pai era Pirrip, e o meu nome de batismo, Philip, mas o máximo que minha língua infantil conseguia articular era Pip. Assim, passei a chamar-me Pip, e passaram a chamar-me Pip.

Declaro Pirrip como nome de família de meu pai de acordo com a autoridade do seu túmulo, e a de minha irmã, sra. Joe Gargery, que se casou com o ferreiro. Como eu jamais viria meu pai ou minha mãe, e jamais vira qualquer imagem dos dois (pois viveram em dias bem anteriores aos da fotografia), minhas primeiras fantasias, a respeito de como teriam sido eles, derivavam-se irracionalmente de seus túmulos. O formato das letras no túmulo de meu pai dava-me uma ideia estranha de que fora ele um homem honesto, robusto, moreno, de cabelos negros encaracolados. Dos caracteres e do estilo da inscrição lapidar "E Também Georgiana, Esposa do Acima Referido", tirei a conclusão infantil de que minha mãe era sardenta e enfermiça. Às cinco pedrinhas losangulares, de uns cinquenta centímetros cada, organizadas em fila ao lado do túmulo dos dois, consagradas à memória de meus cinco irmãozinhos - que tão cedo desistiram de tentar a vida, esta luta universal - devo a crença, que cultivava com reverência religiosa, de que os cinco haviam nascido de costas, com as mãos nos bolsos das calças, e jamais as haviam tirado dali neste estado de existência.

O nosso ficava na região do brejo, às margens do rio, numa faixa - a partir do ponto onde o rio fazia a curva - a trinta quilômetros do mar. Minha primeira impressão, mais vívida, mais ampla, sobre a identidade das coisas, eu a senti, em uma gélida e memorável tarde que rumava ao anoitecer. Descobri, com certeza, na ocasião, que este lugar desolado, recoberto de urtiga, era o cemitério da igreja; e que Philip Pirrip, defunto desta paróquia, e também Georgiana, esposa do acima referido, estavam mortos e enterrados; e que Alexander, Bartholomew, Abraham, Tobias e Roger, filhos infantes dos acima mencionados, estavam também mortos e enterrados; e que o mato chapado, escuro, para lá do cemitério, entrecortado por diques, aterros e cancelas, a servir de pasto para o gado esparso, era o brejo; e que aquela linha plúmbea, baixia, era o rio; e que aquele esconderijo selvagem, distante, de onde corria o vento, era o mar; e que aquele montinho de tremores a se amendrontar de tudo aquilo, começando a chorar, era Pip.

- Não faça barulho! - uma voz horrível gritou, e um homem se levantou entre os túmulos, ao lado do átrio da igreja. - Não se mova, diabinho, ou lhe corto a garganta!


Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte: GRANDES ESPERANÇAS
CHARLES DICKENS
1861
Clássicos Abril Coleções
Vol. 33 - 2010
págs. 8 e 9

Tradução José Eduardo Ribeiro Moretzsohn

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