domingo, 23 de janeiro de 2011

O golpe e a sorte

Em 1964, a artista transfere-se de vez para o Rio de Janeiro. Esteticamente, Elis faria nesse período um curioso inverso ao de Roberto Carlos: o cantor, que começava imitando João Gilberto, influenciado pela eminência parda Carlos Imperial, acabara por se entregar à sua vocação pop-romântica, tornando-se Rei da Jovem Guarda. Elis, antes intérprete de roquinhos e baladas adolescentes, detonaria sua ruptura estética na direção que a tornaria uma representante do melhor e mais autêntico que a música brasileira produziria nas próximas décadas.
O Brasil de 1964 era uma panela de pressão política que explodiria sua bomba reacionária no exato dia em que Elis e seu pai colocaram os pés em terras cariocas, em 31 de março de 1964. Durante o trajeto de Porto Alegre até o Rio de Janeiro, uma carta que deveria ser de recomendação do Partido Trabalhista Brasileiro para que seu Romeu arranjasse um emprego no governo João Goulart perdeu seu efeito benéfico e transformava-se, assim, em praticamente uma confissão subversiva incriminadora, que colocava toda a responsabilidade de sustentar a família, agora em duas cidades, nas costas da jovem Elis.
O golpe militar era um desfecho trágico para uma crise política que se arrastava no país desde a renúncia de Jânio Quadros em 1961. O vice, João Goulart, assumira a presidência em um clima político adverso, instaurando um governo de perfil populista que abria espaço para a manifestação estudantil, de organizações populares e de sindicatos, irritando empresários, Igreja, banqueiros, militares, a classe média e, principalmente, os ianques. No auge da Guerra Fria e da ascensão do socialismo moreno em Cuba, todos receavam que o Brasil curvasse para a esquerda sua trajetória ideológica.
Sem apoio parlamentar, no dia 13 de março de 1964, Jango busca respaldo popular, fazendo um comício histórico na Central do Brasil, no Rio de Janeiro, no qual defende reformas de base que prometiam mudanças radicais na estrutura econômica, educacional e agrária do país. Seis dias depois, a primeira resposta conservadora veio por meio da Marcha da Família com Deus pela Liberdade, reunindo milhares nas ruas do centro de São Paulo, enquanto a insegurança se espalhava velozmente pela sociedade brasileira como um todo.
Em nome da manutenção da "ordem social e das instituições", no dia 31 de março de 1964 - enquanto Elis Regina e o pai desfaziam as malas no apertado apartamento alugado da rua Figueiredo Magalhães, no coração de Copacabana -, tropas do Exército ganhavam as ruas, tomando o poder através de um truculento golpe militar.
Era cada um por si e não havia tempo a perder. Elis foi então pessoalmente cobrar de Armando Pittigliani a promessa de contratá-la para a emergente Phillips/Phonogram pré-emepebista. O grande caçador de talentos, como era de seu feitio, honrou a promessa e, para felicidade da nação musical brasileira, finalmente a carreira de Elis começava a entrar nos trilhos.
Dois meses depois, recomendada por Paulo Gracindo, a artista assina contrato com a TV Rio para apresentar-se no programa Noite de Gala ao lado de outros nomes insurgentes, como Jorge Ben (depois Ben Jor) e Wilson Simonal.

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