quarta-feira, 28 de abril de 2010

Matinal


O tigre da manhã espreita pelas venezianas.
O vento fareja tudo.
No cais, os guindastes – domesticados dinossauros –
erguem a carga do dia.

Mário Quintana

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Regina Zilberman

Pág. 43

The Police - Every Breath You Take

terça-feira, 27 de abril de 2010


Magro, de olhos azuis, carão moreno,
Bem servido de pés, meão na altura,
Triste de facha, o mesmo de figura,
Nariz alto no meio, e não pequeno;

Incapaz de assistir num só terreno,
Mais propenso ao furor do que à ternura;
Bebendo em níveas mãos, por taça escura;
De zelos infernais letal veneno;

Devoto incensador de mil deidades
(Digo, de moças mil) num só momento,
E somente no altar amando os frades,

Eis Bocage em quem luz algum talento;
Saíram dele mesmo estas verdades,
Num dia em que se achou mais pachorrento.

Bocage

Este soneto costuma ser considerado um auto-retrato de Bocage.

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Ricardo Maranhão

Págs. 23-24

segunda-feira, 26 de abril de 2010

Epígrafe


Sou bem-nascido. Menino,
Fui, como os demais, feliz.
Depois, veio o mau destino
E fez de mim o que quis.

Veio o mau gênio da vida,
Rompeu em meu coração,
Levou tudo de vencida,
Rugiu como um furacão,

Turbou, partiu, abateu,
Queimou sem razão nem dó –
Ah, que dor!
Magoado e só,
- Só! – meu coração ardeu.

Ardeu em gritos dementes
Na sua paixão sombria...
E dessas horas ardentes
Ficou esta cinza fria.

- Esta pouca cinza fria...

Manuel Bandeira

Edward Elric (Fullmetal Alchemist)

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Salete de Almeida Cara

Pág. 25

Andrea Bocelli - Con Te Partirò

Dedicatória


A pomba d’aliança o vôo espraia
Na superfície azul do mar imenso,
Rente... rente da espuma já desmaia
Medindo a curva do horizonte extenso...
Mas um disco se avista ao longe... A praia
Rasga nitente o nevoeiro denso!...
Ó pouso! ó monte! ó ramo de oliveira!
Ninho amigo da pomba forasteira!...

Assim, meu pobre livro as asas larga
Neste oceano sem fim, sombrio, eterno...
O mar atira-lhe a saliva amarga,
O céu lhe atira o temporal de inverno...
O triste verga à tão pesada carga!
Quem abre ao triste um coração paterno?...
É tão bom ter por árvores – uns carinhos!
É tão bom de uns afetos – fazer ninhos!

Pobre órfão! Vagando nos espaços
Embalde às solidões mandas um grito!
Que importa? De uma cruz ao longe os braços
Vejo abrirem-se ao mísero precito...
Os túmulos dos teus dão-te regaços!
Ama-te a sombra do salgueiro aflito...
Vai, pois, meu livro! e como louro agreste
Traz-me no bico um ramo de... cipreste!

Castro Alves

Bahia, janeiro de 1870.

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Marisa Lajolo e Samira Campedelli

Pág. 26

terça-feira, 13 de abril de 2010

Seal - Kiss From A Rose

Canção do Exílio (1)

Kennst du das Land, wo die Citronen blühn,
Im dunkeln Laub die Gold-Orangen glühn,
Kennst du es wohl? – Dahin, dahin!
Möcht ich… ziehn. (2)
Goethe.


Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar – sozinho, à noite –
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que eu não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Gonçalves Dias

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

(1)

Este poema, escrito em Coimbra em julho de 1843, tornou-se não apenas um sinônimo de Gonçalves Dias – não há antologia escolar que não o tenha escolhido –, mas um ponto de referência dentro da tradição literária brasileira. Se professores e declamadores conseguiram banalizá-lo pela insistência na repetição gratuita, coube a outros poetas reinventarem “a canção do exílio” a partir das sugestões de Gonçalves Dias. Para conferir esta afirmação, basta examinar: Casimiro de Abreu (“Canção do Exílio”), Sousândrade (“Harpa XLV”), Carlos Drummond de Andrade (“Europa, França e Bahia” e “Nova Canção do Exílio”), Oswald de Andrade (“Canto de Regresso à Pátria”), Cassiano Ricardo (“Ainda Irei a Portugal”), Murilo Mendes (“Canção do Exílio”), Gilberto Gil e Torquato Neto (“Marginália II”) e muitos outros.

(2)

Esta epígrafe constitui um trecho da balada “Mignon”, de Johann Wolfgang Von Goethe (1749-1832), o mais célebre dos poetas alemães e um dos maiores nomes do Romantismo europeu. Gonçalves Dias frequentemente usa epígrafes de autores estrangeiros em seus poemas, sinal de sua erudição. Neste caso, a epígrafe foi assim traduzida por Manuel Bandeira: “Conheces o país onde florescem as laranjeiras? Ardem na escura fronde os frutos de ouro... Conhecê-lo? – Para lá quisera eu ir!”

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Beth Brait

Págs. 26-27

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Avarandado (1)

cada palmeira da estrada
tem uma moça recostada
uma é minha namorada
e essa estrada vai dar no mar

cada palma enluarada
tem que estar quieta parada
qualquer canção quase nada
vai fazer o sol levantar
vai fazer o dia nascer

namorando a madrugada
eu e minha namorada
vamos andando na estrada
que vai dar no avarandado do amanhecer
no avarandado do amanhecer

Caetano Veloso

Fonte da imagem: Té la mà Maria - Reus

(1)

“Avarandado” e “Um Dia” fazem parte do disco de estréia de Caetano (Domingo, de 1967), do qual também participa Gal Costa.

Fonte:

Literatura Comentada
Nova Cultural
1988
Seleção de textos, notas, estudos biográfico, histórico e crítico por:
Paulo Franchetti e Alcyr Pécora

Pág. 56